Artigo
Página Principal Fórum Newsletter Pesquisa Artigos Contacto
Mapa do site

Ver ficha correspondente:
   R. dos Condes, 2-20

DN, 7/8/03

'Operação SOS' Odéon

MARIA JOÃO PINTO
Teatros e cinemas de perfil clássico têm sido particularmente castigados no balanço de perdas que Lisboa tem sofrido nas últimas décadas. Entre os derradeiros testemunhos de uma era, o Odéon, encerrado há seis anos, é um dos últimos que será (ainda) possível salvar: em termos físicos e no que há nele de intangível, nesse valor _ e dever _ de memória hoje crucial em património.

«Para que não morra como o Eden ou o Monumental, nem entre em coma como o Paris, nem seja reciclado como o Condes», o projecto Novo Odéon, lançado por cinco cinéfilos e que há dois anos se bate pela sua recuperação, acaba de lançar um leilão simbólico do recheio da velha sala, como alerta para a necessidade de agir.

Acedível em www.lisboa-abandonada.net/odeon/, o «leilão» versa, nesta fase, as 700 cadeiras da plateia e dos dois balcões do Odéon, a um valor mínimo de 2,5 euros/peça, a que se seguirão «degraus das escadarias, vidros das marquises, luzes» e o mais que for necessário para renovar esse alerta, já expresso em página própria na Internet e em recente estreia na blogosfera.

Cansado de esperar «pelo parecer do senhor x», quer junto da Câmara de Lisboa _ à qual o grupo apresentou, em Fevereiro de 2002, um projecto de aquisição, recuperação e viabilização do antigo cinema _, quer junto do Ministério da Cultura, o movimento deposita, agora, esperança na adesão dos cidadãos a esta venda simbólica, tendo por referência uma iniciativa de formato similar que, na Suécia, permitiu salvar um velho cinema em Gotemburgo. Iniciativa que viu, então, associarem-se-lhe nomes de primeira grandeza como Ingmar Bergman e Wim Wenders.

A classificação do imóvel seria, também, crucial, como lembrou ao DN Paulo Ferrero, membro do projecto Novo Odéon. Contactos nesse sentido foram, já, encetados junto da Direcção Regional de Lisboa do Ippar, continuando a aguardar-se a abertura do respectivo processo de instrução.

Exemplar de perfil Arte Nova/Art Déco, o Odéon tem, de resto, a seu favor algo que outros não tiveram: «Os proprietários [que desejam vendê-lo, por um valor próximo dos 2,5 milhões de euros, cerca de 500 mil contos] têm zelado pelo espaço. Os interiores estão intactos, necessitando os exteriores de trabalhos de conservação, em particular a fachada de tardoz. De resto, até as máquinas de projectar estão intactas, precisando apenas de ser restauradas.»

Um cinema, um lugar de memória
Fruto de projecto de 1923, pelo construtor Gulherme A. Soares, o Odéon (que esteve para se chamar Ibéria) abriu portas a 21 de Setembro de 1927, com A Viúva Alegre, de Stroheim. Durante largos anos, estabeleceria laços fortes com a sala do Trianon Palace, sua contemporânea, de 1930 (mais tarde Palácio e, mais tarde ainda, Aviz), partilhando ambos a mesma cópia de filme. O velho Odéon viu desaparecer essa e muitas outras salas, mas, desde sempre, se viu acompanhado de uma aura de renascimento: o lugar que é hoje seu foi precisamente o mesmo da célebre Drogaria Ferreira, fundada logo após o terramoto de 1755.